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Uma breve história das linhas no Ártico


Este mapa de 1599 do navegador holandês Willem Barentsz é o primeiro a mapear Spitsbergen desde que os Vikings o descobriram vários séculos antes.
Este mapa de 1599 do navegador holandês Willem Barentsz é o primeiro a mapear Spitsbergen desde que os Vikings a descobriram vários séculos antes. Mapa: Barentsz (1599) Biblioteca Pública de Toronto

A origem exata da expressão “traçar uma linha na areia” é desconhecida. Alguns dizem que vem da invasão do Egito em 168 a.C. por Antíoquia IV Epífanes, da Síria, enquanto outros dizem que está associada a batalha do Álamo. Uma das histórias mais populares, é que essa frase vem de João 8:6, na qual Jesus traça uma linha no chão, enquanto se dirige àqueles ansiosos por apedrejar uma mulher acusada de adultério. A mudança de um mais tangível termo “terreno”, na Bíblia, para um mais efêmero termo “areia”, atualmente, talvez seja mais adequada. Enquanto os humanos têm uma tendência a fixar limites e não esperam que ninguém os cruze, o registro histórico é a prova do quão inconstante e fugazes essas linhas na areia podem ser.


Inerentemente dinâmica e temporalmente limitada, a natureza caprichosa das linhas é perceptível em qualquer discussão sobre o Ártico. A medida que o norte circumpolar vem tomando cada vez mais importância nas relações internacionais, essas discussões adquiriram várias tonalidades. Será que um conflito irromperá sobre esses limites instáveis? Um poder revisionista poderá modificar as delimitações existentes? Embora respostas definitivas para essas perguntas não sejam encontradas no passado, examinar como chegamos ao presente pode fornecer alguma luz sobre as tendências a longo prazo.


Novas Fronteiras Polares


As potências europeias, obcecadas com a ideia de que poderia haver uma passagem mais curta para a Ásia, através da América do Norte, há muito tempo possuem interesse no Ártico. Nas áreas onde existiam terra, aplicavam-se as regras normais (derivadas da Europa) de aquisição de títulos. Para ser soberano em relação a uma fatia do novo mundo, as potências europeias tinham que demonstrar tanto o corpus quanto o animus occupandi – a capacidade e a intenção de exercer poder sobre um determinado pedaço de terra. Para provar que um estado tinha a capacidade de controlar um determinado território, eles tinham que demonstrar as “colonial effectivités” (atividades soberanas) necessárias. Isso normalmente se manifesta como prova de controle administrativo, como registro de escritura, arrecadação de impostos e registro de profissões [1].


Em 1822, por exemplo, o diplomata russo em Washington, Pierre de Poletica, defendeu as reivindicações de Moscou ao Alasca com base nos “três fundamentos exigidos pela Lei das Nações e imemoriais usos entre as nações”; isto é, sobre o título da primeira descoberta; sobre o título da primeira ocupação; e, em último lugar, sobre o que resulta de uma posse pacífica e incontestada de mais de meio século [2]. Um século depois, o território do Canadá, ansioso por sustentar suas reivindicações ao Arquipélago Ártico, baseou-se um uma mistura parecida de descobrimento, ocupação e reivindicações não contestadas [3].


Teoria do Setor


Como o Oceano Ártico e sua massa de gelo seriam divididos, era uma questão mais complicada, já que a ocupação efetiva não era uma opção. Em vez disso, surgiu uma nova abordagem que lembram as bulas papais que dividiram o novo mundo: a teoria do setor. Essa teoria foi proposta pela primeira vez, em um discurso ao senado canadense por Pascal Poirier, um senador, em 1907. A teoria do setor era simples: traçar linhas retas a partir dos limites terrestres dos respectivos países do Ártico através do oceano e do gelo, em direção ao Polo Norte – essa seria a nova divisão do Ártico. Deve-se notar que Poirier acreditava que as reivindicações do Canadá sobre o Ártico dependiam de outras formas de título em primeiro lugar; a teoria do setor era apenas um quarto elemento [4].


Apesar de essa teoria receber uma fria recepção no parlamento canadense, a teoria do setor chamou muito a atenção no período entre guerras. Isto foi, em parte, devido a um decreto lançado pelo Presidium do Soviete Supremo da União Soviética em 1926, que baseou sua reivindicação as terras do Ártico com base na teoria do setor. Os proponentes da teoria, tantos os soviéticos quanto os outros, apoiaram suas reivindicações em bases bastantes frágeis. Eles argumentaram que uma abordagem setorial facilitaria as tensões entre os estados do Ártico e que isso era simples, prático e inevitável [5]. Os adversários se opuseram ferozmente a essa abordagem, dizendo que ela reverteu a ordem tradicional de aquisição de títulos: como pode um Estado reivindicar algo que não sabe nada sobre ele? Muitos viam a abordagem setorial, baseada na ideia da contiguidade, como uma perversão da, agora descartada, doutrina de hinterland [6].


UNCLOS


Enquanto o Ártico foi militarizado durante a Segunda Guerra Mundial e permaneceu assim durante a Guerra Fria, um status quo legal persistiu com a União Soviética mantendo sua abordagem setorial, e os Estados Unidos escolhendo uma abordagem mais conservadora, às vezes desinteressada, para a questão. Na década de 1990, as coisas deram uma guinada em direção a cooperação entre as duas superpotências que negociavam as fronteiras marítimas no Estreito de Bering, no Mar de Bering e no Mar de Chukchi [7]. Assim como na doutrina de hinterland durante a disputa pela África, a teoria do setor caiu em desuso. Em seu lugar, os Estados retornaram para os meios tradicionais de demonstrar o título sobre o território e recorreram à Convenção das Nações Unidas sobre o Direito Marítimo (UNCLOS, em inglês) para resolver os aspectos marítimos na fronteira do Ártico.


Dos países do Ártico, todos, exceto um, ratificaram a UNCLOS. O único opositor, os Estados Unidos, no entanto, consideram as principais disposições da “constituição dos mares” como um direito internacional consuetudinário. Os estados podem reivindicar um mar territorial de doze milhas náuticas, uma Zona Econômica Exclusiva (ZEE) de 200 milhas náuticas, e a possibilidade de exercer direitos soberanos sobre uma plataforma continental estendida além das 200 milhas náuticas, se esta puder ser considerada um “prolongamento natural” da massa terrestre dos estados costeiros [8]. Muitos dados são necessários para apoiar tais alegações, que são então processadas pela Comissão sobre os Limites da Plataforma Continental - uma comissão de especialistas. Em caso de sobreposição ou conflito, os tratados tornaram-se o principal meio de finalizar os limites e, na minoria dos casos, as disputas de limites são anteriores a mecanismos de solução de disputas de terceiros [9].


Prosseguindo


Embora apenas uma breve visão geral da evolução de como os Estados traçaram as linhas no Ártico – e uma que omite a supressão das formas indígenas de entender o Ártico -, vários modelos podem ser tentados mais à frente. Uma observação importante, onde diferentes visões da região coexistiram, é que não houve o recurso do uso da força, mesmo onde existia a possibilidade de fazê-la. Os soviéticos, por exemplo, acabaram por renunciar pacificamente a sua abordagem derivada da teoria do setor. Em vez disso, os limites bem-sucedidos foram aqueles fixados ao tornar o Ártico reconhecível através da sua administração, de mapas e de dados. Quando em terra, esses limites foram decididos pela comprovação da ocupação efetiva de um território. As fronteiras marítimas, por sua vez, estão sendo delineadas por meio de dados fornecidos à UNCLOS – pelo menos por enquanto. Será que, daqui para frente, os estados vão evitar o revisionismo e continuar com a cooperação? A história, claro, não pode responder isso; mas fornece um alimento interessante para a reflexão.



Referências

 

[1] Ver Frontier Dispute (Burk. Faso/Mali), 1986 I.C.J. 586 (Dec. 22).


[2] British Foreign Office (1821-22) British and Foreign State Papers: 485. https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=hvd.hj1365;view=1up;seq=5. Acessado em 10 de setembro de 2017.


[3] Head, Ivan L. (1963) Canadian Claims to Territorial Sovereignty in the Arctic Regions. McGill Law Journal 9


[4] Head, Ivan L. (1963) Canadian Claims to Territorial Sovereignty in the Arctic Regions. McGill Law Journal 9: 204


[5] Lakhtine, W. (1930) Rights over the Arctic. The American Journal of International Law 24(4): 711.


[6] Para uma crítica abrangente da abordagem setorial, veja Gustav Smedal, Acquisition of Sovereignty Over Polar Areas, Oslo, 1931, 54-64.


[7] Byers, Michael (2013) International Law and the Arctic. Cambridge: Cambridge University Press, 1.


[8] Byers, Michael (2013) International Law and the Arctic. Cambridge: Cambridge University Press, 29.


[9] Byers, Michael (2013) International Law and the Arctic. Cambridge: Cambridge University Press. #curiosidadescartograficas






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