Da Terra Australis à Antártica
Muito antes os olhos humanos avistarem a Antártica, os povos antigos estavam convencidos de que ela existia - ou pelo menos, algo parecido com ela. Ptolomeu, um astrônomo greco-romano que viveu entre 100-170 d.C., imaginou que deveria existir uma enorme massa de terra no extremo sul do planeta, para fornecer um contrapeso planetário aos grandes continentes do norte.
Esta região hipotética, que nunca havia sido vista e muito menos mapeada, tinha até nome: o termo "Antártica" cunhado pelo geógrafo grego Marinus de Tyre, no segundo século, refere-se a uma área imaginada oposta ao Círculo Polar Ártico; e no século V, o erudito romano Macrobius incluiu um território ao sul, em seus mapas, chamado "Australis" (termo latino para "do sul").
As referências medievais posteriores a Terra Australis Incognita ou "Terra Desconhecida do Sul", detalhariam essas teorias antigas, e os mapas desenhados entre os séculos XV e XVIII frequentemente a incluíam na parte inferior dos mapas.
Nenhum desse nomes ou representações realmente se referiam a Antártica que conhecemos hoje, dado que estavam centenas de anos antes do continente ser realmente visto, mas elas alimentaram um mito geográfico que permaneceu nos séculos vindouros.
Várias viagens posteriores, até o final do século XVIII, reduziram ou eliminaram completamente dos mapas o que se acreditava ser a extensão da Terra Australis. E até 1820, nenhum avistamento confirmado da Antártica aconteceu. Mesmo assim, a transformação cartográfica, ao longo dos séculos, da Terra Australis para Antártica, que durou dois séculos, é um registro fascinante da evolução da geografia moderna.
Abaixo, há uma lista de mapas que, embora não esteja completa, acompanha essa evolução ao longo de algumas das suas principais fases. Mais do que meramente mostrar por onde navegar, esses mapas são belíssimas fusões de arte e ciência criadas séculos antes do benefício dos equipamentos de navegação modernos.
1570: Abraham Ortelius e o Teatro do Mundo
Um dos mapas mais famosos que a Terra Australis aparece pela primeira vez forma um segmento central do primeiro atlas moderno do mundo. O renomado Theatrum Orbis Terrarum, ou "Teatro do Mundo", do cartógrafo Flamengo Abraham Ortelius, é um compêndio de todos os mapas mais recentes desenhados por seus contemporâneos, representando a soma do conhecimento cartográfico do século XVI.
1590: Petrus Plancius e o Orbis Terrarum
Conhecido mais por sua cobertura do Ártico e do Extremo Oriente do que por sua representação das massas de terra do extremo sul, o Orbis Terrarum do cartógrafo holandês-flamengo Petrus Plancius representa a Terra Australis da mesma forma que o Theatrum de Ortelius fez 20 anos antes.
Originalmente concluído em 1590, o mapa-múndi de Plancius mostra a Antártica quase chegando ao extremo sul da América do Sul, como no Theatrum. Ele também mostra o continente se estendendo para o norte quase até a Nova Guiné e Java, como o mapa de Ortelius, chegando até o Oceano Índico e terminando relativamente perto da costa sul da África. Ele escreveu guias de navegação, inovou um novo sistema para determinar a longitude e colaborou com o cartógrafo holandês Jacob Floris van Langren em um globo celestial que retratava várias constelações do sul não ilustradas anteriormente em mapas.
1630: Henricus Hondius II e a Nova Totius
40 anos depois que Plancius deixou sua marca no mundo cartográfico, Henricus Hondius II concluiu seu próprio mapa-múndi, o Nova Totius Terrarum Orbis Geographica ac Hydrographica Tabula. Como se isso não bastasse, havia dois Henricus Hondius praticando a cartografia na República Holandesa ao mesmo tempo. Embora tenham sido contemporâneos, eles não eram parentes e, na verdade, Hondius I nasceu na Flandres, apesar de ter se estabelecido mais tarde em Amsterdã - onde, aliás, Hondius II nasceu.
Assim como Plancius, Hondius II trabalhou com materiais originalmente produzidos por um cartógrafo anterior, Gerardus Mercator. Mercator, um dos poucos cartógrafos importantes que, por motivos de concisão, não está representado nesta lista, e criou seu próprio mapa-múndi em 1569, que mostra a Terra Australis da mesma forma que Ortelius em seu atlas de 1570 e Plancius em seu mapa-múndi de 1590.
1741: Covens e Mortier e o sumiço da Australis
No século XVIII, a era de ouro da cartografia holandesa produziu uma série de editoras de mapas enormes (e de enorme sucesso). Uma das maiores foi a Covens & Mortier, fundada em Amsterdã por Johannes Covens e Cornelius Mortier.
Em sua longa tradição de mapas impecavelmente desenhados, havia uma representação do Hemisfério Sul que não retratava a Terra Australis de forma alguma. Esse foi um resultado comum da exploração posterior dos mares do sul: Quando os navegadores começaram a descobrir a extensão dos mares ao sul, o espaço disponível para a outrora colossal Terra Australis naturalmente diminuiu.
De fato, as explorações realizadas no século anterior já haviam refutado grande parte das dimensões do hipotético continente do sul. A Terra do Fogo, por exemplo, foi revelada como sendo menor do que se pensava originalmente, e descobriu-se que a Austrália não fazia parte de um continente maior. Em 1770, James Cook continuou essa redução ao mostrar que a Nova Zelândia não fazia parte da Terra Australis, que ele deduziu estar localizada na região polar do Hemisfério Sul.
1749: Du Vaugondy e o Mappe-Monde
Gilles e seu filho, Didier, dois dos cartógrafos franceses mais conhecidos do século XVIII, produziram alguns dos últimos mapas anteriores ao avistamento confirmado da Antártica em 1820. Um de seus mapas mais extensos, o Mappe-Monde de 1749, também omite a Terra Australis. A massa de terra é substituída pela área desconhecida de Terres Antarctiques, traduzida simplesmente como "Terras Antárticas". A versão do mapa de Vaugondy mostrada nesta imagem foi lançada em 1816 e inclui atualizações resultantes das descobertas de vários exploradores após seu lançamento original em 1749.
Outras partes do mundo estão quase tão vazias quanto a região Antártica, como o noroeste do Pacífico americano. Levaria algum tempo até que essa área fosse preenchida, assim como a Antártica, mas essas partes em branco sugerem que a cartografia estava se afastando de sua dependência de conjecturas antigas. O sistema e a ciência da elaboração de mapas, que avançaram ainda mais rapidamente com as inovações estimuladas pela Era dos Descobrimentos, por sua vez, progrediram mapa a mapa em direção ao estado em que se encontram hoje.
Publicado na página Curiosidades Cartográficas do Facebook em: https://www.facebook.com/curiosidadescartograficas/posts/pfbid02UJvr2bYz2QfExz3a6ewqvjLwTvXAfyYTKVd2fX3tWNRVnbRmKwprvtT1eeWYWTDvl
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