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Resolvido: O mistério de 300 anos dos porcos de Barbados

Alerta de spoiler: Eles provavelmente eram queixadas


O mapa de Barbados de Richard Ligon, perfeito para uma rodada do jogo "I Spy" com o tema de animais. CHRISTINA GIOVAS / UTILIZADO COM PREMISSÃO.

O MAPA DE BARBADOS, DO SÉCULO XVII, de Richard Ligon, mostra uma ilha cercada por monstros marinhos. Suas caudas são como as das sereias; seus rostos como os de cães. No interior da ilha, os camelos, parte de um esquema de importação de animais de carga de curta duração, erguem suas orgulhosas cabeças. Europeus a cavalo atiram em um escravo em fuga. Um nativo americano solitário fica no meio da ilha. Mas os habitantes mais misteriosos da Barbados, de Richard Ligon, também são os mais banais: cinco porcos com cauda encaracolada. Metade deles são peludos e selvagens; a outra metade é lisa.


Segundo a publicação de Ligon, esses porcos foram jogados em Barbados por marinheiros portugueses do século XVI, que contavam com eles como fonte de alimento para futuras expedições. Essa era uma prática comum dos primeiros marinheiros europeus, que se asseguravam de uma refeição decente liberando animais nos lugares mais distantes, frequentemente prejudicando os ecossistemas locais no processo. Quando os britânicos chegaram a Barbados, no século XVII, eles descreveram uma ilha desprovida de habitantes humanos, mas invadida por porcos.


Por mais de 300 anos, a maioria dos estudiosos aceitou a explicação de Ligon sobre as origens dos porcos (As Américas não tinha porcos antes da chegada dos europeus). Mas, na ausência de evidências arqueológicas, a história não pôde ser comprovada. Quem realmente introduziu os porcos na ilha? Eles eram mesmo os animais retratados no mapa de Ligon? Será que, como um estudioso do século XIX se perguntou, os animais não eram porcos, mas, fisiologicamente semelhantes, embora evolutivamente distintos, queixadas do Novo Mundo?


Este debate sobre porcos mortos há muito tempo pode parecer estranho. Mas no campo contenciosos da arqueologia americana, esses detalhes revelam uma história indefinida. A colonização europeia das Américas foi, talvez, o evento mais importante da história da humanidade, catalisando movimentos inimagináveis de pessoas, animais e culturas – e a morte de 90% dos habitantes indígenas da América, que foram exterminados por guerras e doenças. Que é estimado em 56 milhões de pessoas, ou um décimo da população mundial.


No curso dessa transformação cataclísmica, os colonos europeus alteraram drasticamente a paisagem americana, introduzindo cavalos, trigo, ratos, cana-de-açúcar e porcos. Uma vez soltos, esses porcos se multiplicaram na América do Norte e no Caribe, prejudicando os ecossistemas locais e devastando comunidades indígenas inteiras com doenças. Quando o mapa de Ligon foi publicado na Inglaterra em 1657, mais de 150 anos se passaram desde o primeiro contato, dificultando aos pesquisadores contemporâneos contar como a colonização alterou essas paisagens às vezes fantásticas. O mistério dos porcos de Barbados, portanto, faz parte de um esforço de longa data para entender a transformação de um mudo inteiro.


0Giovas encontrou esta parte do maxilar de uma queixada há muito esquecida no Museu de Barbado. CHRISTINA GIOVAS / UTILIZADO COM PERMISSÃO.

Quando Christina Giovas vasculhou a coleção do Museu de Barbados e da Sociedade Histórica em 2014, ela não estava pensando exatamente em porcos. Professora assistente de arqueologia da Universidade Simon Fraser, Giovas estuda a pré-história do Caribe, rastreando as espécies que os povos indígenas introduziram no Caribe muito antes da chegada dos europeus. Enquanto os britânicos alegavam não encontrar indigenas barbadianos – alguns estudiosos argumentavam que eles já haviam fugido ou sido capturados em operações de escravos portugueses do século XVI – Giovas diz que Barbados foi povoada pela primeira vez em 2.400 a.C. Ela estava procurando traços do impacto ecológico dessas pessoas nas coleções de ossos de mamíferos do Museu de Barbados.

Giovas, porém, achou algo surpreendente: um único fragmento de um maxilar de queixada com dentes afiados. “Isso é completamente inesperado, porque não tínhamos registros de introdução de queixadas”, diz Giovas. Giovas levou o osso para seus colaboradores, George D. Kamenov e John Krigbaum, ambos da Universidade da Flórida. Ao comparar a concentração de isótopos de estrôncio no dente da queixada com os níveis característicos da geologia de Barbados, Krigbaum descobriu que, de fato, a queixada tinha vivido na ilha, provavelmente entre 1645 e 1670. Parecia que os misteriosos porcos de Barbados não eram todos porcos – muitos eram queixadas.


A equipe de Giovas sugere que, de acordo com os espécimes peludos e lisos ilustrados no mapa de Ligon, na verdade havia dois tipos de criaturas semelhantes a porcos em Barbados no século XVII: porcos domesticados e de pele lisa e porcos selvagens peludos. Embora as queixadas possam ter sido introduzidas por nativos americanos ou pelos próprios britânicos, ela diz que a datação sugere que os marinheiros portugueses ou espanhóis as tenham soltado, possivelmente enquanto navegavam por Barbados a caminho de suas colônias sul-americanas.


À esquerda, um porco selvagem; à direita, uma queixada. Não admira que a pobre Ligon não conseguisse distingui-los. PEDRIK/CC BY 2.0 AND WING-CHI POON/CC BY-SA 3.0 (https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Running_Javelina.jpg)

Já não há queixadas em Barbados. Como a breve e malograda introdução de camelos ilustrada no mapa de Ligon, sua curta duração na ilha é apenas uma das muitas maneiras estranhas e muitas vezes desastrosas pelas quais os europeus moldaram os ecossistemas das terras que colonizaram. Para Krigbaum, essas histórias sobre os porcos não nos dizem apenas sobre as práticas agrícolas das pessoas, mas sobre suas relações com a cultura e o mundo natural. “Os animais têm tanto a dizer sobre os humanos quanto os próprios humanos”, diz ele.


Enquanto a equipe de Giovas encontrou falhas no relato de Ligon, seu mapa de Barbados com os porcos, revela muito mais que a história literal e factual: ilustra os desejos que os europeus trouxeram para o Novo Mundo. É uma terra imaginada repleta de violência e possibilidade, onde os monstros marinhos podem se misturar com camelos e pseudos-porcos – uma terra que os europeus, tragicamente exploraram como sua.




Publicado na página Curiosidades Cartográficas do Facebook em: https://www.facebook.com/curiosidadescartograficas/posts/1089859644540902






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