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O Atlântico: a última fronteira da Idade Média



Antes da conquista da América, sem dúvida, o Atlântico cumpria uma função limítrofe fundamental. Era uma espécie de fronteira líquida gigantesca entre o que era conhecido e o vazio, a escuridão absoluta.


E essa visão do Atlântico como uma desconhecido perdurou na Europa por muito tempo. Até que colombo embarcou para “as Índias” do porto de Palos no verão de 1492.


Como anunciado no Blog Geografía Infinita (que publica esta reportagem), um seminário nos dias 27 e 28 de fevereiro de 2018, na Universidade de La Laguna (Tenerife) abordou o tratamento do Atlântico e de suas ilhas no contexto medieval.


Vesconte de Maggiolo.

No simpósio, diversos palestrantes, tanto de La Laguna quanto nacionais (Espanha) e internacionais, falaram sobre a ideia desse oceano na Idade Média sob diferentes perspectivas.


A verdade é que esta parte do mundo foi uma referência fundamental para os confins da terra, que está além de tudo que se conhece.


Kevin R. Wittmann, do Instituto Universitário de Estudos Medievais e Renascentistas da Universidade de La Laguna e participante do congresso explica que a visão do Atlântico naquela época correspondia “à relação que temos hoje com o espaço sideral”.


Ele era visto como “algo enorme, incomensurável para nós, algo que exerce grande atração, mas que nem todos estamos dispostos a enfrentar”. Foi a última fronteira da Idade Média.


A herança clássica na representação do Atlântico


A representação geográfica e, portanto, cartográfica, do Atlântico no período pré-colombiano “deve muito ao patrimônio clássico”, explica.


“A partir das teorias de, sobretudo, Isidoro de Sevilha (que por sua vez se baseava em autores clássicos tardios como Plínio), os geógrafos medievais concordavam que o orbe era circularmente rodeado pelo oceano, num conceito de continuidade e eternidade que tem uma clara formação cristã”, detalha o especialista.


Os autores diferenciavam o Oceano, em termos gerais, de os oceanos, a partir de um ponto de vista particular, continua Wittmann.


Subdivisões dentro do Atlântico


Assim, às vezes eles até estabeleceram uma subdivisão dentro do oceano ocidental (isto é, o Atlântico). Desta forma, encontramos não só o Atlântico, mas também o Oceano Britânico, Gálico, Etíope, etc.


Nesse sentido, o doutorando da Universidade de La Laguna explica que “os limites ocidentais da ecúmena sempre tiveram um aspecto aterrorizante e atraente; Dizia Isidoro de Sevilha que, embora o Sol nasça no Leste, ele se esconde no Oeste”.


Portulano de Dulcert

Esses limites ocidentais seriam “uma das portas do mundo, escondendo o sol e mergulhando o mundo na escuridão das trevas”.


“Penso que é uma imagem bastante poderosa do Atlântico na mentalidade medieval, e essa escuridão, metáfora da ignorância, explica porque que abundam as referências ao Atlântico como ‘mar de pedra’, ‘mar verde da melancolia’, etc., sempre influenciando seu caráter violento, ameaçador e continuamente mutável pelas marés”.


“O peso desta memória do mar e, por extensão, do oceano exterior (como também era chamado, ao contrário do mar interior, o mare nostrum, ou seja, o Mediterrâneo) está patente em vários ditos populares presentes em certas fontes, como Elogie o mar, mas fique na praia ou Quem vai para o mar aprende a rezar“.


O longo tempo atlântico


La longue durée é um termo levantado pelos historiadores da escola francesa dos Annales e desenvolvido sobretudo por F. Braudel na sua obra ‘O Mediterrâneo e o mundo mediterrâneo na época de Filipe II’, na qual se aplica a esse mar uma concepção histórica muito mais ampla do que, poderíamos chamar, tradicional.


Baseia-se na análise, se for caso disso, do Mediterrâneo e das culturas que com ele (e através dele) interagem, de uma perspectiva holística, tendo em consideração os vários elementos inter-relacionados que moldam a realidade mediterrânica desde tempos imemoriais.


Carta Marina de Olaus Magnus.

O congresso levantou a necessidade (e viabilidade) de transferir esse conceito para a história atlântica. Alguns estudiosos falaram de “pré-história atlântica” ao se referir ao Atlântico pré-colombiano.


“Mas nos propomos a continuar com uma linha analítica que tenta banir a ideia de que o Atlântico, e a relação do homem com aquele oceano, nasceu espontaneamente no século 15, do nada”, diz Wittmann.


“Se lermos os estudos sobre o assunto publicados até meados do século 20, parece que o Atlântico não existia antes das navegações pré-modernas, ou pelo menos não havia relação com aquele espaço”, reconhece o historiador. E acrescenta: “São abordagens que vão sendo superadas por novos pontos de vista que surgiram a esse respeito”.


1492 não surgiu do nada


A chegada dos europeus à América no final do século XV e, portanto, o conhecimento progressivamente direto do oceano, “é o resultado de uma jornada muito longa de autoconsciência geográfica, de referências interligadas entre diferentes culturas”.


E é aí que entraria em jogo o conceito de longue durée tal e como o entendemos, aplicado ao Atlântico: “uma visão que vai além de análises baseadas em cronologias, datas e períodos, e tem em conta o Atlântico como personagem fundamental nessa história”.


Obviamente, 1492 é uma data chave, “mas devemos repensar o fato de que não surgiu do nada, espontaneamente, mas é o produto de um processo que estava fermentando por muitos séculos”.




Publicado na página Curiosidades Cartográficas do Facebook em: https://www.facebook.com/curiosidadescartograficas/posts/1578473265679535

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