No século XVI, as grandes expedições de navegadores como Álvaro de Mendaña ou Pedro Fernández de Quiros transformaram o Oceano Pacífico num "lago espanhol"
Os confins do mundo
Mapa do Theatrum orbis terrarum, de Abraham Ortelius. Amberes, 1570.
Álvaro de Mendaña
O explorador galego liderou duas expedições ao sul do Pacífico. Gravura de 1880.
Ilhas Marquesas
Aqui, a expedição de Álvaro de Mendaña chegou em 1595. Ele chamou a ilha de Fatu Hiva (na imagem) de Magdalena em homenagem à esposa do vice-rei do Peru.
Máscara de capacete
Fabricada em madeira e conchas. Ela é de Papua Nova Guiné. Século XIX. Museu de Belas Artes, Houston.
Lima, a cidade dos reis
Lima tornou-se uma cidade próspera para onde as riquezas da América e do Oriente convergiam. Na imagem, a catedral.
Um paraíso perdido
Mendaña dedicou todos os seus esforços para retornar às Ilhas Salomão, mas nunca teve sucesso. Na imagem, lagoa Marovo, nas Ilhas Salomão.
Quando, em 1513, o extremenho Vasco Núñez de Balboa atravessou o istmo do Panamá e se tornou o primeiro europeu a contemplar a imensidão do Oceano Pacífico, ele estava abrindo uma nova dimensão para a tarefa exploratória dos espanhóis no século XVI. Alguns anos antes, Cristóvão Colombo embarcara em suas famosas jornadas em busca de uma rota marítima para o Oriente e sua mítica riqueza, esbarrando no caminho com o continente americano. Agora essa rota era possível novamente. Nos anos seguintes, Magalhães (1521), Jofre de Loaísa (1526), Saavedra (1527), Grijalva (1536) e López de Villalobos (1542) atravessaram o Pacífico para ligar as costas americanas com as Molucas – a fonte mítica das preciosas especiarias –, as Filipinas, a China e o Japão. Graças a eles, Urdaneta pôde inaugurar, em 1565, a rota de retorno da Ásia para a América, que o galeão de Manila seguiria por séculos.
Os navegadores espanhóis entraram em uma área diferente e totalmente inexplorada: o Pacífico Sul.
Paralelamente a essa rota transpacífica principal, os navegadores espanhóis entraram em uma área diferente e totalmente inexplorada: o Pacífico Sul. No século XVI, não se sabia da existência da Austrália, Nova Guiné ou dos arquipélagos da Melanésia e da Polinésia; por outro lado, acreditava-se que no hemisfério sul se estendia um imenso continente antártico, a chamada Terra Austral. Na verdade, a busca por esse território mítico foi uma das principais atrações para os exploradores espanhóis, juntamente com outras crenças que circularam no Peru desde sua conquista na década de 1530, como a lenda inca sobre umas ilhas ricas localizadas no coração do mar Ocidental ou a ideia de que havia também ali a terra das Amazonas e as ilhas de Ofir, onde segundo a bíblia, as minas do rei Salomão estavam localizadas. Foi assim que em 1567 um capitão galego, Álvaro de Mendaña, lançou a primeira expedição marítima em busca destes territórios míticos.
AS ILHAS DO REI SALOMÃO
Mendaña foi escolhido para a empreitada por seu tio Lope García de Castro, governador interino do Peru. Sob o comando de duas naus com uma tripulação de 156 homens, ele deixou o porto de Callao em 19 de novembro de 1567. Os desentendimentos entre Mendaña e dois de seus oficiais, o cosmógrafo Pedro Sarmiento de Gamboa e o piloto sênior Hernán Gallego, causaram várias mudanças de rumo até que, após quase 60 dias de navegação, avistaram uma ilha de vegetação exuberante, pertencente ao arquipélago das Ellice. Três semanas depois, em 7 de fevereiro de 1568, chegaram a uma nova ilha que fazia parte de outro grande arquipélago. Convencidos de que haviam chegado às ilhas míticas de Ofir, eles chamaram as ilhas de Salomão.
A realidade, no entanto, logo desmentiu suas esperanças de terem alcançado o paraíso. Durante os seis meses que passaram explorando as Ilhas de Santa Isabel, Guadalcanal ou San Cristóbal – nomes espanhóis que são mantidos até hoje – houve constantes episódios de violência com os nativos. Por exemplo, o cronista Luis de Belmonte conta que quando alguns espanhóis desembarcaram para beber água em Santa Ana, uma pequena ilha baixa e redonda com uma colina no meio, como um castelo, “os índios nos atacaram com muitos dardos, flechas e gritos; vieram manchados [pintados], com folhas nas cabeças e umas faixas pelo corpo”. Dois índios foram mortos durante o confronto; entre os espanhóis havia três feridos e, antes de partir, eles incendiaram a cidade dos nativos. Apesar disso, os expedicionários conseguiram pacificar e dominar várias ilhas. Eles não encontraram grande riqueza, mas alguns acharam que encontraram indícios de ouro e especiarias, o que levou Mendaña a retornar ao Peru para orga nizar uma expedição colonizadora com mais recursos. Para retornar, seguiram um amplo círculo que os levou até a costa da Califórnia, de onde desceram para atracar em El Callao.
NAS ILHAS MARQUESAS
Para organizar a nova expedição, Mendaña viajou para a Espanha, onde em 27 de abril de 1574 assinou com as autoridades algumas capitulações para as quais foi nomeado adelantado, governador e capitão geral das ilhas que havia descoberto; em troca, ele deveria financiar totalmente a empreitada. De volta ao Peru, em 1577, Mendaña não obteve o apoio do vice-rei Francisco de Toledo, então teve que esperar até a chegada de seu sucessor, o segundo Marquês de Cañete, em 1589, para realizar seu projeto. Era uma empreitada mais ambiciosa que a anterior. A frota consistia de duas naus, um galeão e uma fragata, e tinha uma tripulação de 280 homens, além de cem colonos que iriam se estabelecer nas Ilhas Salomão, incluindo várias mulheres. Uma era a esposa de Mendaña, Isabel de Barreto, que contribuíra com o dote para completar a frota. O piloto principal foi o português Pedro Fernández de Quirós.
Depois de deixar Callao, a pequena frota entrou no oceano a partir do porto de Paita, no Peru, em 16 de junho de 1595. Depois de um mês de travessia, eles encontraram o arquipélago das Marquesas, assim chamado em homenagem a esposa do vice-rei, Magdalena Manrique, cuja intercessão havia sido essencial para a partida da expedição. Eles passaram dois meses explorando as ilhas, na qual houve violentos confrontos com os nativos. Em uma ocasião, quando Mendaña enviou um grupo de vinte soldados para procurar um porto ou água em uma das ilhas, “muitos índios saíram em muitas canoas e, aproximando-se, os cercaram”, aos quais os espanhóis responderam com fogo, matando vários deles. Bermudez diz que um índio tentou fugir nadando com seu filho em seus braços, mas um soldado espanhol atirou neles com um arcabuz e ambos se afogaram. O soldado “disse mais tarde com grande dor que o diabo levaria aquele que o havia enviado até ele”.
EXPEDIÇÃO INFORTUNADA
A expedição retomou a navegação em busca das Salomão, mas por mais de um mês viram apenas água ao redor deles. O descontentamento cresceu entre a tripulação, que acreditava que Mendaña e seu piloto haviam se perdido no imenso Pacífico. Finalmente, em 7 de setembro, eles avistaram Santa Cruz, uma ilha de grande beleza. Ela estava a apenas 400 quilômetros das Salomão, mas a expedição nunca chegaria ao seu destino. Na verdade, a partir daquele momento tudo foi uma cadeia de tragédias. No dia seguinte à chegada a Santa Cruz, um dos navios desapareceu com seus 182 ocupantes, sem nunca mais se ter notícias deles. O resto da expedição permaneceu na ilha e começou algumas edificações, mas logo a situação se tornou insustentável. Uma parte da tripulação reclamou do lugar – “Para onde eles nos trouxeram!”, exclamaram – e logo a relação com os índios foi envenenada por causa dos desmandos dos soldados que estavam na expedição. Por último, foi constatada uma doença estranha e pestilenta, da qual o próprio Álvaro de Mendaña morreu, entre outros. O comando então passou para sua viúva Isabel de Barreto, um caso único de comando feminino durante a conquista e colonização espanhola da América e Oceania. Foi ela quem decidiu desistir do projeto de colonização e tentar salvar-se indo para as Filipinas.
A VIAGEM PARA MANILA
Houve alguma controvérsia sobre o papel de Barreto no resto da expedição. Segundo o historiador Ramón Ezquerra, sua fama é imerecida, já que quem dirigiu a frota de fato foi o piloto Fernández de Quirós, enquanto “ela mostrou apenas a mesquinhez e egoísmo, dedicando sua água a lavar suas roupas, quando a tripulação perecia de fome, sede e doenças”. Mas também é sabido que ela mostrou um caráter forte e durante toda a viagem ela foi capaz de interromper vários motins.
De qualquer forma, a viagem a Manila foi muito difícil. Sem água ou suprimentos, a cada dia morria um ou mais homens vítimas da epidemia. “Os marinheiros, por terem tanto a fazer, e por causa de suas doenças, e por já estarem acabando os remédios, já estavam tão desanimados [abatidos] que não valorizavam em nada a sua vida”, diz Bermúdez. Alguns até pediram que os navios fossem afundados para que todos eles pudessem morrer de uma só vez. No final, apenas cem sobreviventes chegaram a Manila em 10 de janeiro de 1596.
Depois de muito rogar a corte espanhola, em 1606, Fernández de Quirós conseguiu organizar uma nova expedição, convencido de que ele alcançaria a mítica terra austral e descobriria um “novo mundo", como um "segundo Colombo”. Seu fracasso pôs fim a grande era da exploração espanhola do Pacífico Sul, quando o Mar do Sul era, na verdade, um “lago espanhol”.
PARA SABER MAIS
El lago español. O. H. K. Spate. Casa Asia, Madrid, 2006.
Descubrimiento de las regiones australes. Pedro Fernández de Quirós. Dastin, 2002.
Las islas de la imprudencia. Robert Graves. Edhasa, Barcelona, 2003.
Publicado na página Curiosidades Cartográficas do Facebook em: https://www.facebook.com/curiosidadescartograficas/posts/1071022083091325
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