A expedição fracassada foi um dos capítulos mais dolorosos da história da exploração do Ártico. Novas análises podem lançar luz sobre seu misteriosos destino.
Por Heather Pringle
Durante séculos, a Passagem Noroeste parecia pouco mais do que uma miragem, John Cabot instou seus navios ao desconhecido em 1497 e 1498 a encontra-la, mas falhou. Martin Frobisher, Henry Hudson e James Cook procuraram por ela nas águas geladas do norte, em vão. Em maio de 1845, um célebre explorador e oficial naval britânico, Sir John Franklin, retomou a busca para encontrar uma rota entre os oceanos Atlântico e Pacífico através das águas árticas. Com ordens do Almirantado Britânico, Franklin e uma tripulação de 133 homens, zarparam do Tamisa em dois enormes navios de guerra, o H.M.S Erebus e o H.M.S. Terror, cada um equipado especialmente para o serviço polar. Foi o início do pior desastre na exploração do Ártico.
No papel, a expedição parecia carecer de pouco. A tripulação era jovem, forte e experiente. Os navios, revestidos de ferro, contavam com a mais recente tecnologia da era vitoriana – de motores a vapor a água quente e uma das primeiras câmeras de daguerreotipo. As embarcações transportavam alimentos e bebidas para mais de três anos, bem como dois realejos e uma bibliotecas com cerca de 2.900 livros. Dois cães e um macaco faziam companhia aos homens em seus aposentos.
Mas esses pequenos mundos flutuantes não eram páreo para os mares congelados do Ártico. Por ordem do almirantado, a expedição navegou para um dos cantos mais traiçoeiros e bloqueados pelo gelo do extremo norte. Em setembro de 1846, os dois navios ficaram presos no gelo marinho a noroeste da Ilha Rei William. Eles permaneceram assim por pelo menos um ano e meio de um brutal frio polar.
Achados e perdidos
Nas profundezas do Ártico canadense, os navios de Franklin ficaram presos no gelo marinho por 19 meses. Os sobreviventes partiram a pé, mas nunca mais se ouviu falar deles. Arqueólogos esperam que os navios afundados, localizados em 2014 e 2016, deem respostas.
Em abril de 1848, 24 homens estavam mortos, incluindo o próprio Franklin. O resto havia abandonado os navios. Em uma declaração concisa colocada em um monte de pedras na Ilha Rei William, o novo comandante da expedição, Francis Crozier, observou que ele e outros estavam indo a pé para o Rio Back, talvez para encontrar uma melhor caça, ou possivelmente com esperança de alcançar um posto de comércio de peles a mais de 700 milhas (mais de 1.100 quilômetros) de distância. Foi a última comunicação conhecia de Crozier com o mundo exterior (Mais de meio século depois, em 1906, o explorador norueguês Roald Amundsen seria considerado o primeiro a navegar pela traiçoeira passagem do noroeste).
Durante anos depois que a expedição de Franklin parou, grupos de busca vasculharam as costas da região, na esperança de encontrar sobreviventes e, quando toda esperança se foi, pistas sobre o destino da expedição. Eles encontraram acampamentos desertos, ossos de homens mortos e centenas de lembranças, desde fragmentos de camisas de algodão a colheres de sobremesa de prata. Os caçadores inuits se lembraram de ter visto tripulantes famintos arrastando trenós pesados ao longo do gelo e, mais tarde, encontrado evidências de canibalismo. O público britânico estava relutante em acreditar, e os últimos dias da expedição de Franklin continuaram sendo objeto de fascínio e de construção de mitos duradouros.
Então, em 2014, o Erebus foi descoberto em águas relativamente rasas ao sul da Ilha Rei William, quase exatamente onde o histórico testemunho dos inuítes o haviam colocado. Dois anos depois, o Terror foi localizado no fundo de uma grande baía depois que o guarda florestal inuit canadense Sammy Kogvik, levou pesquisadores para a área. O ‘Terror’ está tão bem preservado, diz o arqueólogo Ryan Harris da Parks Canada, que se assemelha a um navio fantasma: “O que pode estar dentro dele é apenas uma questão de imaginação”.
Uma segunda equipe de pesquisa, apoiada pelo governo do território canadense de Nunavut, está agora examinando outras pistas importantes encontradas em terra. Liderados por Douyglas Stenton, um arqueólogo da Universidade de Waterloo, em Ontário, esses cientistas estão mapeando os locais onde os membros da tripulação de Franklin armaram tendas, abateram e obtiveram rações, e se amontoaram sob cobertores e peles de urso. Ao estudar esses locais e analisar os restos mortais e artefatos recuperados deles, Stenton e seus colegas esperam lançar uma nova luz sobre os trágicos dias finais da expedição.
Em um dia frio e tempestuoso na aldeia ártica de Gjoa Haven, Kogvik relembra a alegria de ver o Terror aparecer pela primeira vez em uma tela de sonar. Como a maioria dos Inuits da região, Kogvik tinha ouvido histórias sobre a expedição perdida. Ele também tinha a sua própria história. Enquanto pescava com um amigo ao longo da costa oeste da Ilha Rei William, uma vez ele viu uma grande vara de madeira aparecendo acima da água. Ele pensou que poderia ser o mastro de um navio. Então, em setembro de 2016, quando Kogvik estava trabalhando com uma equipe da Artic Research Foundation, uma organização sem fins lucrativos canadense, em outro projeto científico em uma área próxima, eles decidiram no impulso do momento dar uma olhada no local. Depois de horas vasculhando o fundo do mar com um sonar de varredura lateral, Kogvik e seus colegas encontraram o Terror, a cerca de 25 metros debaixo d´água. “Cada um de nós estava comemorando”, lembra ele.
Hoje, os arqueólogos do Parks Canada estão planejando escavar os dois navios da expedição Franklin, mas o ‘Erebus’ é sua prioridade. As duras condições do Ártico agora ameaçam a embarcação. O gelo marinho varreu a popa e esmagou a área onde Franklin tinha sua cabine, sepultando ou espalhando seus artefatos.
Mais assustadores ainda são as condições a bordo do Terror. Sedimentos espessos cobrem o convés superior, mas a roda, o leme e os baluartes do navio parecem estranhamente intactos. Janelas e escotilhas, em sua maioria inquebráveis, ainda selam o conteúdo das cabines.
Os estudos e escavações nos dois locais de naufrágio devem levar anos, e os arqueólogos esperam resolver uma controvérsia de longa data. Os historiadores presumiram que a maioria dos homens de Franklin morreram em 1848 na busca temerária do Rio Back. Mas na década de 1980, David Woodman, um marinheiro aposentado e escritor de história baseado em Port Coquitlam, na Columbia Britânica, analisou os relatos de testemunhas inuítes. De acordo com esses relatos, poucos dos homens de Franklin morreram na jornada. Em vez disso, muitos voltaram aos navios depois que Crozier escreveu seu bilhete e conseguiram navegar mais para o sul. Quando os dois navios finalmente afundaram, os náufragos sobrevieram com provisões resgatadas e com alguma caça ocasional, até que o último homem morreu no início de 1850.
Mas os relatos de cerca de 30 testemunhas inuítes continham muitas ambiguidades e contradições, em parte devido a problemas de tradução. Portanto, a equipe da Parks Canada espera recuperar registros escritos dos naufrágios, como registros ou diários pessoais, para ajudar a revelar o que deu errado com a expedição.
Relíquias da expedição desaparecida
Na Grã-Bretanha, as famílias dos mortos ficaram se perguntando sobre seus filhos e maridos e como exatamente eles encontraram seu fim – questões que perduram entre muitos descendentes hoje. E algum alívio pode estar à vista. Stenton e sua equipe coletaram amostras de restos mortais e as enviaram para a Lakehead Univeristy, em Ontário. Os geneticistas extraíram com sucesso o DNA dos restos mortais de 26 tripulantes. Agora Stenton está coletando amostras de DNA de descendentes vivos. Ao comparar os perfis de DNA históricos e modernos, ele e seus colegas esperam identificar alguns dos corpos pelo nome.
Além disso, a equipe da Parks Canada pode adicionar informações a essas identificações. Testemunhas inuítes históricas relataram embarcar em um dos navios e encontrar o corpo de um tripulante caído no chão. Os arqueólogos subaquáticos ainda não encontraram nenhum vestígio humano, mas se esqueletos ou ossos aparecerem, a equipe irá considerar o teste de DNA.
Pela primeira vez em mais de um século, há grandes esperanças de que a história da expedição perdida seja contada. O otimismo está trazendo um novo senso de oportunidade para o remoto Porto de Gjoa, onde jovens Inuítes estão conseguindo empregos para vigiar e proteger os locais dos destroços de Franklin dos saqueadores. E as autoridades estão traçando planos para expandir o museu local, para que um dia possa abrigar e exibir os achados dos lendários navios de Frankilin.
“Os turistas já estão chegando aqui”, diz Kogvik com orgulho. E seduzido pelas maravilhas geladas da Passagem do Noroeste e pela famosa história de Franklin e de seus homens, “mais virão no próximo ano”.
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