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Como bibliotecários alemães finalmente pegaram um ardiloso ladrão de [mapas em] livros


Ele era frustrantemente hábil em cortar mapas. TODAS AS ILUSTRAÇÕES: DELPHINE LEE PARA ATLAS OBSCURA

Durante décadas, utilizando frequentemente uma identidade falsa, ele roubou mapas antigos no valor de milhares de dólares cada um.


Na tarde de 21 de fevereiro de 2006, Norbert Schild sentou-se em uma mesa da sala de leitura da Biblioteca Municipal de Trier, no oeste da Alemanha, e abriu um livro de 400 anos de idade, sobre a geografia europeia. Agindo rapidamente, Schild colocou um pedaço de papel em branco em cima do livro, pegou um estilete do seu colo e discretamente cortou um mapa da Alsácia das páginas 375 e 376.


Schild não havia notado que as mesas de dois bibliotecários, que normalmente tinham a tarefa de localizar livros para os leitores, ficavam cerca de um metro acima do chão, dando a eles uma visão clara de seus movimentos. Eles se aproximaram de Schild e perguntaram o que ele estava fazendo.

“Valeu a pena tentar”, Schild disse a eles. Ele então jogou seu cartão da biblioteca sobre a mesa e saiu correndo do prédio, levando o mapa com ele.

Atordoados, os bibliotecários foram até o diretor da Biblioteca Municipal, Gunther Franz. Um bigodudo especialista na história do livro, Franz reuniu as duas testemunhas na sala de leitura e preencheu um boletim de ocorrência. Ele também enviou um e-mail para bibliotecas alemãs com um aviso. Schild se apresentara como um historiador, escreveu Franz, e tinha estatura mediana, constituição robusta, cabelo louro despenteado e joias bastante visíveis.


Em seu email, Franz apelidou Schild de Büchermarder, ou ‘marta do livro’. As martas são mamíferos carnívoros que frequentemente roubam ovos de pássaros e são notoriamente difíceis de se acabar com elas. O apelido pegou.


Quase 300 milhas (aproximadamente 483 quilômetros), em uma biblioteca de Oldenbug, uma pequena cidade perto do Mar do Norte, Klaus-Peter Müller leu o e-mail de Franz. Seu rosto ficou pálido. Ele conhecia Norbert Schild.


O chamado ‘marta do livro’ tinha sido um visitante regular da Biblioteca Regional de Oldenburg, onde se apresentou como um estudante de doutorado com foco em literatura de viagens históricas e em atlas. Müller se lembra de ter conversado com Schild sobre sua pesquisa. “Eu não suspeitava dele de maneira nenhuma”, diz ele.


Müller e sua colega, uma jovem e eloquente bibliotecária chamada Corinna Roeder, examinaram seus registros em busca de informações sobre as visitas de Schild. A maior parte delas já havia sido destruída: Oldenburg, como a maioria das bibliotecas alemãs, segue rígidas políticas de privacidade. Mas eles tinham uma pista. Schild havia visitado a biblioteca pela última vez no outono de 2005. Ele planejava voltar, e os livros que ele havia solicitado já tinham sido separados.

Müller e Roeder começaram a vasculhar os volumes. Dois deles, incluindo um valioso livro de geografia espanhola, estavam ilesos. O terceiro, o Atlas van Zeevaert en Koophandel door de geheule Weereldt, um atlas marítimo e comercial de 1745, parecia perfeito à primeira vista - mas então eles olharam mais de perto.


 

Somente um leitor atento perceberia o que estava faltando.

 

Schild recortou nove mapas, incluindo a representação de Renard de todo o mundo conhecido e ilustrações intrincadas do sudeste da Ásia e da Baía de Hudson. Ele também recortou o apêndice, que incluía a lista desses mapas. Como se isso não bastasse, ele também pegou um lápis e numerou os mapas restantes em uma letra minúscula no canto superior direito, à maneira de um arquivista profissional. Somente um leitor atento perceberia o que estava faltando.

“Eu estava ali sentado e mal conseguia respirar”, relembra Roeder. “ele era realmente um profissional”.


Roeder preencheu um relatório da Polícia de Oldenburg (mais trade, ela estimou os danos entre US$ 44.130 e US$ 48.800). Por recomendação de um conhecido, ela também procurou em leilões online, mapas que pudessem ter vindo do livro de Renard. Ela comparou as fotos de vendas com a coloração, o tamanho, o amarelamento do papel e as rugas distintas do atlas de Oldenburg e mandou um e-mail para comerciantes de antiguidades perguntando sobre a procedência dos mapas à venda.

Na Páscoa, Roeder reduziu sua busca a dois vendedores. Em um dia ensolarado no início de maio de 2006, Roeder e seu colega Klaus-Peter Müller subiram no WV Golf vermelho da Biblioteca de Oldenburg e partiram em busca dos mapas que faltavam. “Sentimos como se estivéssemos em um filme de ação”, diz Roeder.


Roeder e Müller dirigiam as 300 milhas (aproximadamente 483 quilômetros) de Oldenburg a Ghent, na Bélgica, com o atlas danificado de Renard no banco de trás do carro. Os mapas da primeira casa de leilões, eles logo perceberam, não correspondiam ao que procuravam. O tamanho e a superfície do papel eram diferentes; o original que faltava de Oldenburg estava em melhores condições.

Depois de uma noite em um hotel, eles dirigiram outras 60 milhas (aproximadamente 96 quilômetros) até Breda, na Holanda, onde visitaram o ‘Antiquariaat Plantijn’, um pequeno e bem cuidado antiquário. Dieter Duncker, o proprietário, era atenciosos e falava um alemão excelente. Ele mostrou a Roeder e Müller os documentos em questão. Eles examinaram as páginas e avaliaram as medidas a serem tomadas.


“Os quatro mapas se encaixam”, diz Roeder com uma pausa, “perfeitamente em nosso atlas”.



Os investigadores seguiram o rastro até várias instituições.

Roeder e Müller não foram os únicos bibliotecários que reconheceram o nome de Norbert Schild. Em 1988, Schild supostamente fugiu com uma série de ilustrações do rio Reno, da Universidade e Biblioteca Regional de Darmstadt. Em 2002, um livro de 1616 restaurado recentemente pelo filósofo e astrônomo Johannes Kepler desapareceu em Bonn.

Um mês depois de enviar seu e-mail para bibliotecários alemães, Franz reuniu uma lista de 20 instituições que acreditavam que Schild havia roubado páginas de seus livros. Em uma ocasião, Schild supostamente se apresentou como jornalista de artes freelance.

Na Biblioteca da Universidade de Munique, Sven Kuttner, chefe do departamento de livros antigos, também recebeu o e-mail de Gunther Franz. Em 2005, Schild passou meses na biblioteca, alegando ser um estudioso trabalhando em uma bibliografia de mapas históricos de 1500 em diante. Quase 50 dos livros que Schild examinou estavam faltando páginas. Kuttner se lembra dos grandes anéis de Schild, que ele agora acredita que tinham pontas afiadas ou eram usados para esconder uma pequena faca. “Ele estava sempre fazendo contato visual”, diz Kuttner. “Naquela época, não pensávamos muita atenção nisso”.

Kuttner preencheu um relatório policial e baniu Schild da biblioteca. Ele também comprou uma balança de precisão de um centésimo de grama. A biblioteca agora pesa os livros raros imediatamente antes e depois do uso.


Depois de coletar relatos de bibliotecários de toda a Alemanha, Franz encaminhou as alegações para o Ministério Público estadual em Bonn. Uma investigação já havia sido aberta, em resposta ao roubo do livro de Kepler em 2002. Franz estava confiante de que resultariam em acusações. Embora Schild estivesse agindo desde pelo menos 1988, Trier foi a primeira vez que ele foi pego “em flagrante”.

Durante a viagem a Breda, Roeder e Müller também estavam otimistas. O vendedor de mapas antigos concordou que suas páginas pareciam uma combinação excelente para os documentos de Oldengurg perdidos e disse aos bibliotecários que os retiraria do mercado e cooperaria com uma investigação oficial.


Duncker comprou os mapas em fevereiro de 2006, em um mercado de pulgas para ilustrações históricas em Paris. Um alemão esquelético - provavelmente não era o Schild - abordou Duncker e ofereceu-se para lhe vender os quatro mapas por €5.000. Eles não trocaram faturas, nomes ou detalhes de contato.


 

Um bibliotecário estima que, no final da década de 1990, Schild poderia ter ganho cerca de 200.000 marcos alemães, ou mais de US$ 100,000, por ano com seus supostos roubos.

 

Alguns bibliotecários criticam os vendedores de antiguidades por sua abordagem de não verem mal nenhum em documentos históricos. “Se eles não virem nada suspeito sobre o livro, como um selo de biblioteca, não perguntam de onde ele se originou”, diz Roeder. Quando questionado se ele acredita que as páginas que comprou foram roubadas, Duncker responde: “Como eu posso saber exatamente? ”


Gostemos ou não, há uma demanda internacional significativa por mapas antigos. René Allonge, um investigador da unidade de crimes de arte de Berlim que trabalhou no caso de Schild, diz: “Você pensa: ‘Quem se importaria com isso? Você pode pelo menos ganhar dinheiro com isso?‘ Sim. Existe um mercado para isso”. Um bibliotecário estima que, no final da década de 1990, Schild poderia ter ganho cerca de 200.000 marcos alemães, ou mais de US$ 100.000, por ano com seus supostos roubos.


Por toda a Alemanha, os bibliotecários esperaram o prosseguimento da investigação do promotor estadual de Bonn. Mas eles nunca entraram com uma queixa contra Schild. A evidência foi amplamente circunstancial: embora as bibliotecas possam mostrar que Schild usou os livros danificados, elas não podem necessariamente provar que foi ele quem cortou as páginas. Um mandado de busca executado para a casa de Schild em 22 de novembro de 2002, revelou “ferramentas de comércio”, como bibliografias e listas de materiais históricos em bibliotecas da Alemanha, mas nenhum mapa roubado. Os promotores em Bonn estavam ocupados e as apostas podem ter parecido baixas - livros antigos, não vidas humanas. As acusações em Trier - onde Schild foi pego em flagrante - foram retiradas devido à negligência, depois que os danos foram estimados em apenas €500. Um porta-voz da promotoria em Bonn não quis comentar o assunto.

Corinna Roeder não desistiu do atlas Renard. Em dezembro de 2008, percebendo que a investigação estava parada, ela começou a negociar com Duncker em particular para a devolução dos mapas. Quando eles não chegaram a um acordo sobre o preço, Duncker os vendeu em outro lugar.


Schild foi apelidado de Büchermarder, ou "marta do livro", em referência a criatura que rouba os ovos das aves.

Sem o apoio da polícia, os bibliotecários alemães embarcaram em um jogo de gato e marta com Schild que durou mais 13 anos. Nesse período, Schild visitou pelo menos mais 15 bibliotecas em todo o país. Vinte e dois anos após sua primeira visita, ele marcou uma visita à Biblioteca da Universidade em Darmstadt. Os bibliotecários armaram uma armadilha, mas Schild não apareceu.


“Eu ainda lamento isso”, diz Silvia Uhlemann, chefe do departamento de coleções históricas da cidade. Naquele mesmo dia, Schild apareceu em Düsseldorf. À medida que as bibliotecas se organizavam, Schild supostamente começou a usar pseudônimos e a trabalhar com cúmplices.


Por meio de seu advogado, Schild se recusou a comentar a história, a menos que a Atlas Obscura (que publica esta reportagem) pagasse por uma entrevista exclusiva.


Em julho de 2017, Schild, desta vez nomeando-se professor emérito de história, visitou a biblioteca da Universidade Innsbruck, nos Alpes Austríacos. Depois que ele saiu, uma bibliotecária chamada Claudia Sojer inseriu o nome de Schild em um boletim informativo da biblioteca e se deparou com os avisos. Ela olhou o livro que Schild havia consultado - um volume de 1627 de Johannes Kepler - e percebeu que um mapa-múndi gravado, avaliado em €30.000, estava faltando (Ela estava na sala com Schild, mas saiu brevemente para ir ao banheiro). Finalmente, os promotores de Witten, o distrito natal de Schild, próximo a Bochum, conseguiram leva-lo a um tribunal sob a acusação de roubo.


Schild estava agora com 65 anos e sua reputação como ladrão de livros data de mais de 30 anos. O julgamento ocorreu em abril de 2019. O alegado 'marta do livro' tinha bigode branco e usava um blazer azul, e andava com o auxílio de uma bengala roxa. Ele disse aos repórteres locais: “As acusações são ridículas”, e disse que estava ansioso pelo julgamento.


 

À medida que as bibliotecas se organizavam, Schild supostamente começou a utilizar pseudônimos e a trabalhar com cúmplices

 

No tribunal, Schild tomou um gole de Diet Coke, falando apenas para dizer que o mapa já havia sumido quando ele acessou o livro de Kepler. Seu advogado argumentou que o documento poderia ter sido roubado por qualquer pessoa, incluindo um funcionário da biblioteca. Um mandado de busca falhou, novamente, em descobrir qualquer coisa na casa de Schild.


O processo revelou um conjunto de novas informações sobre Schild. Ele já foi vendedor de equipamentos industriais. Ele tem três filhos adultos e foi casado quatro vezes. Seu advogado disse ao tribunal que Schild estava preocupado com questões financeiras, muitas vezes fazendo bicos para sobreviver.

No final das contas, Schild havia sido condenado por mais de uma dúzia de acusações anteriores de roubo e fraude. Ele geralmente escapava com uma multa ou liberdade condicional, mas cumpriu uma pena de prisão de um ano e meio, no início dos anos 2000. A juíza do caso de 2019, Barbara Monstadt, condenou Schild a um ano e oito meses de prisão sem possibilidade de liberdade condicional.

Corinna Roeder queria que uma sentença semelhante tivesse sido proferida mais cedo: multas e liberdade condicional não pararam Schild. Poucos dias depois de ser pego em flagrante em Trier, Schild apareceu em uma biblioteca em Halle. “Quantos danos você tem que causar para ser punido e, em seguida, parar de fazê-lo? ”, pergunta Roeder.

Schild está atualmente apelando. “As evidências são todas circunstanciais”, disse seu advogado após o veredicto. Schild ainda não deu início à sentença e os processos judiciais estão suspensos devido a sua saúde precária: ele diz que sofre de diabetes, doenças cardíacas e câncer.


Uma fotografia de Schild, parecendo um malandro de terno e gravata, ainda está pendurada na Biblioteca Regional de Oldenburg. Ela está em uma estante atrás do balcão de informações, ao lado da impressora e de alguns dicionários. A fotografia está em um lugar discreto e sem nenhuma legenda, e pode até ser confundida como uma lembrança. Apenas o pessoal da biblioteca sabe que ela é um aviso.



Fonte: https://www.atlasobscura.com/articles/how-german-librarians-caught-a-book-thief


Publicado na página Curiosidades Cartográficas do Facebook em: https://www.facebook.com/curiosidadescartograficas/posts/1688492881344239

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