Bem vindos a Haberman, Queens: População, 0.
Mapas são reflexões do nosso mundo – como ele é organizado, como o vivenciamos – ou pelo menos é o que eles deveriam ser. Na melhor das hipóteses, os mapas ajudam a entender o espaço ao seu redor, mas na pior das hipóteses, eles podem distorcer a realidade, privando as comunidades de seus poderes ou direitos, por exemplo. E você pensou que direções erradas eram as piores coisas que poderiam acontecer em um mapa.
Os mapas são controversos, em parte, porque o terreno está muitas vezes ligado à identidade. Os bairros urbanos, como um dos espaços mais nebulosos e amorfos da cartografia, costumam gerar uma confusão interessante, embora de baixo risco. E quando há o desejo de nomear e rotular tudo que é executado nos dados e nos algoritmos, coisas estranhas podem acontecer.
No verão de 2018, Jeff Sisson, um engenheiro de software de 31 anos, havia acabado de chegar ao Queens, o maior bairro da cidade de Nova York com cerca de 64 quilômetros quadrados. Sisson estava conhecendo a sua vizinhança a pé e de bicicleta e, um dia, enquanto navegava no Google Maps, percebeu algo estranho. Ele viu um nome no mapa para algo que nunca tinha ouvido falar antes, um lugar chamado Haberman.
“Depois de ter que me encaminhar para algumas áreas próximas a esse lugar em particular no Queens, isso meio que se destacou para mim”, diz ele. “O tamanho era grande o suficiente para implicar em algo muito real, presente e visível, mas não estava totalmente claro ao que se referia”.
O nome foi exibido com destaque no mapa, indicando um local na parte oeste do Queens. Então Sisson decidiu fazer um trabalho de detetive. Teria sido o mais novo esforço de mudança de uma marca na vizinhança por proprietários do setor imobiliário? Ou o renascimento de uma antiga e esquecida localidade? Sendo um profissional de tecnologia, Sisson começou a procurar respostas através da mesma empresa que suscitou a questão: ele pesquisou por “Haberman” no Google.
“Eu estava apenas procurando coisas que estivessem disponíveis para meros mortais”, diz Sisson, “que podem apontar para alguma origem sobre o porquê disso estar lá”.
Sua busca revelou um número surpreendente (ou não surpreendente) de empresas locais que pareciam oferecer serviços aos residentes de Haberman: Um dentista, uma empresa de lavagem de alta pressão, exterminadores de insetos. As empresas pareciam ser legítimas, mas Sissosn achou a presença on-line um pouco suspeita. Todos os sites pareciam ser gerados de forma programática, com frases igualmente estranhas em cada um, como “in Haberman - Queens, NY” repetidas vezes, provavelmente para enganar os mecanismos de pesquisas para direcionar qualquer tipo de tráfego de busca focado na vizinhança. “Eles eram todos um certo tipo de site, originário de dados disponíveis gratuitamente”, diz ele. “Isso apontou para uma fonte não exclusiva do Google para os dados”.
Então Sisson cavou mais fundo. De onde todos esses sites extraíram suas informações? Entre as estranhas listagens de empresas, Sisson encontrou uma breve citação na Wikipedia para uma operação há muito tempo extinta.
Em setembro de 1892, a Haberman Manufacturing Company em Maspeth, Queens, conseguiu construir uma estação ferroviária para atender seus trabalhadores que viajavam de Long Island e de outros lugares. A empresa era especializada em esmaltar ferragens – uma indústria bastante importante na época, aparentemente. Em 1893, a empresa Haberman chegou a ter um caso perante a Suprema Corte (perdeu). Embora a empresa tenha fechado em 1920, a estação de trem Haberman permaneceu no local, pelo menos até 1998, quando a estação que ficou conhecida como Long Island Rail Road, foi permanentemente fechada devido ao baixo número de passageiros (no ano anterior, Haberman tinha em média três passageiros por dia).
Mas como essa estação de trem acabou aparecendo como um bairro no Google Maps? Sisson teve sorte em sua pesquisa – um site especificou um número do Sistema de Informações sobre Nomes Geográficos (GNIS, em inglês) para Haberman, parte de um sistema utilizado pelo Serviço Geológico dos EUA. Os mapas do USGS tinham nomes de bairros e estações de trens espaçados de formas diferentes, para que pudessem ser distinguidos uns dos outros, mas em algum lugar ao longo da linha houve alguma confusão, e Haberman foi claramente listada como um lugar povoado. Sisson especula que um funcionário do USGS cometeu um erro simples quando os mapas antigos estavam sendo digitalizados e, em seguida, esses dados ganharam uma segunda vida e depois foram captados pelos algoritmos do Google Maps.
Nos mapas mais utilizados - aqueles criados e distribuídos por empresas de tecnologia como a Google, Apple e Yelp – quantidades infinitas de informações podem ser exibidas. Tudo o que você precisa fazer é aumentar o zoom. Portanto, essas empresas precisam de dados. Matt Zook, geógrafo da Universidade de Kentucky, diz que “o Google é meio promíscuo em relação a dados. Ele os pega de onde quer que possa encontrá-los”. Mas quando pode, a empresa prefere fontes respeitáveis como o USGS.
O local da antiga estação Haberman é uma área industrial ocupada principalmente por estacionamentos extrajudiciais da Polícia de Nova York e de alguns depósitos de armazenamento de encomendas. Mas isso ainda está no meio de uma cidade altamente povoada. Sterling Quinn, geógrafo da Universidade Central de Washington, é focado principalmente no oeste da cidade, mas seu trabalho fornece algumas dicas sobre o curioso caso de Haberman. Lá fora, nos Estados Unidos industrializado, as estações de trem se tornaram marcos vitais em áreas pouco povoadas. Hoje, muitos nomes de estações ferroviárias permanecem proeminentes no Google Maps.
“Na cidade de Nova York, [Haberman] está meio escondido entre um monte de outras coisas. Digamos que você aplique um algoritmo que funcione no oeste da cidade, talvez ele não trabalhe muito bem neste contexto urbano”, diz ele. Ele aponta para os Huteritas, um grupo étnico-religiosos que tem uma comunidade na zona rural de Washington, a oeste de Spokane, entre muitos outros. Os Huteritas vivem em relativo isolamento, mas como local povoado, sua comunidade possui um número GNIS. Por sua vez, as comunidades Huteritas, com vários nomes, destacam-se no Google Maps.
“Os mapas não representam apenas lugares, mas eles têm o potencial de cria-los”
“É irônico”, diz Quinn, “porque acho que um de seus objetivos era que eles não aparecessem no mapa o máximo possível”.
Em uma cidade, por outro lado, nomes históricos que há muito tempo não são utilizados vagueiam e surgem nos dados de uma maneira totalmente nova – menos como pontos de referência e mais como objetos de automação.
“Os mapas não representam apenas lugares, mas eles têm o potencial de criá-los”, diz Quinn, que é especialista em OpenStreetMap, uma plataforma de código aberto e criada por usuários, e que recentemente passou algum tempo analisando disputas sobre nomes e fronteiras que surgem em mapas on-line. “Existe o potencial para os mapas criarem, ou pelo menos exercitarem, uma influência na paisagem”, acrescenta ele.
O caso Haberman é relativamente inofensivo, mas em 2008 surgiram algumas preocupações no bairro historicamente negro de Fruit Belt, em Buffalo, quando os algoritmos do Google Maps rotularam a área como “Medical Park”, um aceno para o centro médico em rápido crescimento nas proximidades. O nome impróprio foi replicado em dezenas de sites, um erro geográfico que teve o efeito de apagar uma vizinhança e sua história do mapa (O Google revisou o mapa em 2018, uma década depois).
“O que basicamente se resume a que as pessoas não gostam de espaços em branco no mapa”, diz Zook. “Você pensa nos mapas da Era dos Descobrimentos, e a razão pela qual eles colocavam pequenos dragões no mar e a expressão “Here be Monsters” no mapa, é porque eles não sabiam o que havia por lá”.
Zook acredita que há um “tipo de coisa semelhante” acontecendo com Haberman. “Esta área era industrial”, diz ele. “Não havia uma sensação de vizinhança. Como ela realmente não tinha uma identidade, posso imaginar alguém dizendo ‘tem um nome aqui neste mapa, vamos adicioná-lo’”.
Haberman foi uma falha, um erro herdado, um vestígio, um produto do desejo cartográfico de se exibir o máximo possível do mundo. Embora, em uma estranha reviravolta, ele possa retornar. Em 2018, um estudo do Departamento de Transportes da cidade de Nova York recomendou a retomada da estação Haberman, entre outras.
Logo após Sisson publicar sua análise em seu blog, Haberman desapareceu do Google Maps. Embora seja possível que o algoritmo tenha se corrigido, a ocasião parece suspeita. E mesmo que o caso peculiar de Haberman nunca seja totalmente resolvido, Sisson é otimista.
“O que eu realmente queria é que um engenheiro do Google chegasse até mim”, disse ele. “Tenho certeza de que a razão é que deve existir um acordo de não divulgação que isso não possa ser divulgado em um milhão de anos, mas espero que um dia, em algum bar, um cara chegue até mim e me diga: “Ei, eu é que deletei o Haberman” *.
* Atualização, 16 de outubro de 2019: Depois de ler essa história, um funcionário do Google entrou em contato com Sisson para confirmar que a empresa havia realmente excluído o Haberman do Google Maps – uma ação solicitada pela postagem original do blog de Sisson.
Publicado na página Curiosidades Cartográficas do Facebook em: https://www.facebook.com/curiosidadescartograficas/posts/1129561217237411
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