top of page
  • Foto do escritoremvolpi9

O grego Eratóstenes contra os terraplanistas

Há mais de 2.000 anos ele calculou o valor do raio da Terra muito próximo do real usando apenas obeliscos, sombras, um pouco de geometria e muita engenhosidade


Representação da Terra plana
Representação da Terra plana - Adobe Stock

“Quando perguntado por que ele não acredita em astrologia, o lógico Raymond Smullyan responde que ele é geminiano, e os geminianos não acreditam em astrologia”. O Homem Numérico, John Allen Paulos. Capítulo 3: Pseudociência.




Vamos começar contando uma história: 22 de fevereiro de 2020, para nos situarmos, cerca de três semanas antes do confinamento, que tempos eram aqueles...! Nos encontramos perto da cidade de Bartow, Califórnia, EUA. O acrobata Mike Hughes, mais conhecido como Mad Mike, sobe em um foguete caseiro com o qual pretende atingir uma altura de 1.500 metros. A ideia dele é a seguinte: se ele consegue chegar a essa altura e não percebe a curvatura da Terra, é porque a Terra...


é plana.


Infelizmente, no momento da decolagem, o paraquedas se desprende, enquanto o foguete, com Mike dentro, sobe, sobe e sobe por 30 intermináveis segundos. Sem um paraquedas para impedir a descida, o experimento termina em tragédia.


Acabamos de testemunhar uma morte devido ao terraplanismo, efetivamente uma morte por terraplanismo.


Embora possa parecer mentira, este evento realmente aconteceu e aconteceu em 2020. Mas se você tiver dúvidas sobre sua veracidade, basta procurar por Mike Hughes na internet e encontrará muitos jornais e notícias que ecoam o incidente. No entanto, a intenção deste artigo não é refutar os argumentos do terraplanismo. Simplesmente, vou apresentar o experimento que foi realizado pela primeira pessoa que conseguiu medir o raio da Terra.


O protagonista desta história - como em tantas outras histórias da matemática - era grego, seu nome era Eratóstenes e ele viveu em Alexandria no século III a.C. Dele pode-se dizer que “sabia um pouco de todas as áreas” do conhecimento, pois deu importantes contribuições em astronomia, teatro, matemática, geografia, filosofia e mesmo em poesia. Além disso, como se isso não fosse suficiente, ele foi também o diretor da extraordinária biblioteca de Alexandria.


E, aparentemente, foi nessa biblioteca que ele encontrou alguns papiros com relatos de observações feitas em um posto avançado em Siena (atual Aswan), cidade localizada a cerca de 800 quilômetros ao sul de Alexandria.


Alexandria e Siena (Aswan)
Alexandria e Siena (Aswan)

Conforme indicado nesses relatórios, no solstício de verão (21 de junho), ao meio-dia, os objetos não lançavam sombra em Siena. Tal curiosidade geométrica pode ser descrita como que naquele exato momento os habitantes de Siena tinham o Sol exatamente acima de suas cabeças.


Este fato poderia passar despercebido por qualquer pessoa, mas não pelo curioso Eratóstenes, que decidiu fazer a mesma observação em Alexandria. Assim, ao meio-dia do solstício de verão, ele descobriu que em Alexandria, ao contrário do que acontecia em Siena, os objetos projetavam sombras, ou seja, naquele momento daquele dia os alexandrinos não tinham o Sol exatamente sobre suas cabeças, mas eles o viam com uma certa inclinação a partir da vertical. Além disso, ele conseguiu medir o ângulo desta inclinação, A, que era aproximadamente 7,2° (veja a Figura 2)


Figura 2: Experiência de Eratóstenes
Figura 2: Experiência de Eratóstenes

Acontece que como um grego culto que era, Eratóstenes dominava a geometria conhecida na época e sabia que o ângulo, A, e o ângulo B formado pelo centro da Terra e as cidades de Alexandria e Siena, (ver Figura 2) são iguais, uma vez que são os alternos internos que resultam da interseção de duas retas paralelas com uma terceira reta secante a ambas (ver Figura 3).


Figura 3: Retas paralelas cortadas por uma secante
Figura 3: Retas paralelas cortadas por uma secante

Como ambas as cidades eram distantes cerca de 800 quilômetros e isso corresponde a 7,2° da circunferência da Terra e levando em conta que toda circunferência tem 360°, fazendo uma regra de três:




Eratóstenes descobriu que o comprimento da circunferência da Terra era de aproximadamente 40.000 quilômetros (veja a Figura 4).


Figura 4: circunferência terrestre
Figura 4: circunferência terrestre

Como o raio (R) de uma circunferência e seu perímetro (P) têm a relação conhecida



Eratóstenes concluiu que o raio da Terra é



ou seja, cerca de 6.366 km. Bravíssimo para Eratóstenes, ou melhor, Eureka!!!


Atenção a genialidade de Eratóstenes que há mais de 2.000 anos calculou um valor para o raio da Terra muito próximo do real (que é cerca de 6.371 km) utilizando nada mais do que obeliscos, sombras, um pouco de geometria e sobretudo muito de engenhosidade.


Mas se você ainda tem dúvidas se a Terra é plana ou não, só posso recomendar o seguinte: estude geometria, projete um experimento confiável e faça, mas por favor não faça nada maluco como se lançar com um foguete caseiro.



_____________________


Victor M. Manero é professor da Universidade de Zaragoza e membro da Comissão de Divulgação da Real Sociedade Espanhola de Matemática (RSME).


O ABCdario de Las Matemáticas é uma seção que surge da colaboração com a Comissão de Divulgação do RSME.









Publicado na página Curiosidades Cartográficas do Facebook em: https://www.facebook.com/curiosidadescartograficas/posts/1838694302990762

84 visualizações2 comentários

Posts recentes

Ver tudo
Post: Blog2_Post
bottom of page