Por Gonzalo Prieto
Há 500 anos, em 20 de setembro de 1519 (NT: a reportagem é de 2019), cinco navios zarparam de Sanlúcar de Barrameda com o objetivo de circunavegar o planeta. A expedição foi capitaneada por Fernão de Magalhães, que morreria durante a expedição, e Juan Sebastián Elcano, que a lideraria em seu retorno.
Regressaram à Península Ibérica 18 dos 239 homens que partiram. Eles foram os primeiros a dar a volta ao mundo após cruzarem com sucesso a passagem que se chamaria Estreito de Magalhães, no sul do continente americano. Tornaram realidade um dos maiores feitos marítimos da história, que marcou um antes e um depois na concepção das dimensões da Terra e na configuração de seus continentes.
Precisamente na véspera da viagem de Magalhães, momento de máxima tensão entre Espanha e Portugal, o ‘Atlas Miller’, um conjunto de mapas manuscritos de grandes obras feitas em Portugal, viu a luz do dia.
Uma inscrição no verso de um dos mapas indica que ele foi feito por ordem do rei D. Manoel I de Portugal pelo cosmógrafo Lopo Homem, embora se acredite que os cartógrafos Pedro Reinel e seu filho Jorge Reinel e o iluminador Antônio de Holanda também estiveram envolvidos na elaboração do atlas.
Eles eram “alguns dos melhores cartógrafos do mundo na época”, explica Pablo Emilio Pérez-Mallaína, professor de História Americana na Universidade de Sevilha, em resposta às perguntas da Geografía Infinita (que publica esta reportagem).
O Atlas Miller: uma obra de arte
O atlas combina elementos geográficos e visuais de três origens muito diferentes: as cartas portulanas, os mapas ptolomaicos e as miniaturas iluminadas de Flandres. A verdade é que sua decoração apresenta uma qualidade artística superior à de qualquer outra obra cartográfica portuguesa do século XVI. Só pode ser comparada ao Atlas Vallard, feito na França em 1547 com influências portuguesas.
Pérez-Mallaína, autor da conferência "1519-1522: a nova imagem do mundo. O Atlas Miller e a primeira circunavegação da Terra”, considera que “o Altas Miller é uma magnifica obra de arte, com ilustrações que podem ser enquadradas dentro da escola flamenga”.
Mas a verdade é que o conteúdo deste atlas e as circunstâncias da sua criação levantam uma série questões. Em alguns casos permanecem em aberto questões sobre cartografia, descobertas geográficas e relações internacionais na primeira parte do século XVI.
Uma ferramenta de dissuasão cartográfica
Pérez-Mallaína explica que “segundo a opinião de um eminente pesquisador português, o objetivo era demonstrar que para chegar à Molucas (arquipélago da atual Indonésia) a única rota viável era a portuguesa (circundando a África através do Cabo da Boa Esperança) ”.
Assim, explica ele, segundo essa interpretação “os oceanos Atlântico e Índico eram cercados por terra (seguindo a visão de Ptolomeu) e formavam um gigantesco ‘mediterrâneo’ oceânico, que não tinha comunicação com o Pacífico”. Neste sentido, segundo Pérez-Mallaína, podia ser visto “como uma forma de dissuasão cartográfica, que, disseminada a partir de Portugal, pretendia tirar o apoio geográfico do projeto de Magalhães”.
Portanto, na opinião deste pesquisador, “as obras de Ortelius ou Mercator representam uma verdadeira revolução cartográfica e são mais importantes do que o Atlas Miller”. Em qualquer caso, como ele reconhece, “o Miller bate quase todos eles em termos de beleza”.
A data do planisfério ou mapa-múndi do Atlas é 1519, portanto coincide com a data de partida de Magalhães. O Atlas representa a imagem atualizada da visão de mundo greco-latina, especificamente a de Cláudio Ptolomeu, em vigor desde o século II d.C.
A primeira circunavegação da Terra
A primeira circunavegação da Terra, ao serviço de Carlos I, celebra o seu quinto centenário e teve como objetivo abrir uma rota comercial com as Ilhas Molucas ou Ilhas das Especiarias (arquipélago da atual Indonésia) a oeste, procurando uma passagem entre o Oceano Atlântico e o Oceano Pacífico.
A esquadra, depois de explorar durante meses a costa americana ao sul do Brasil, conseguiu atravessar o Estreito de Magalhães em 21 de novembro de 1520. Em sua travessia pelo Pacífico, chegou às ilhas Filipinas, onde, em 27 de abril de 1521, Fernão de Magalhães morre na Batalha de Mactan.
A expedição continuou navegando até as Ilhas Molucas, objetivo da viagem, onde escolhera Juan Sebastián Elcano para liderar a viagem de volta. Navegando para o oeste através do Oceano Índico e circundando a África. Em 6 de setembro de 1522, o Victoria, o único navio que restou da expedição, retornou a Sanlúcar de Barrameda com sua carga de especiarias, tornando-se o primeiro navio da história a dar a volta ao mundo.
Contribuição decisiva para desenhar a imagem do mundo,
Desta forma, a expedição Magalhães-Elcano “demonstrou empiricamente algo que já era conhecido em teoria: que a Terra era redonda. Além disso, ao cruzar toda a extensão dos três grandes oceanos do Planeta, deu notícias do tamanho real da Terra, que era muito maior do que se pensava anteriormente. De alguma forma, ele foi fundamental para desenhar a imagem do mundo que temos hoje”.
Desta forma, a primeira circunavegação do mundo é “um dos princípios da globalização, mas não o único”. Segundo Pérez-Mallaína, “a rota portuguesa pelo sul da África também contribuiu para isso”.
“Não esqueçamos também que os navegadores árabes e chineses cruzaram o Oceano Índico e o Pacífico seguindo as monções, embora seja verdade que tais rotas não se afastassem muito das costas e não cruzassem os oceanos por causa de sua maior extensão. Essas e outras rotas marítimas acabariam intercomunicando nosso planeta.
Publicado na página Curiosidades Cartográficas do Facebook em: https://www.facebook.com/curiosidadescartograficas/posts/1833239630202896
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