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A verdadeira origem das bizarras fronteiras do Gâmbia

De acordo com uma história apócrifa, os navios britânicos definiram as fronteiras do país atirando balas de canhão nas laterais de seus navios

O rio Gâmbia em Janjanbureh, na parte oriental do país. DENNIS JACOBSEN/SHUTTERSTOCK


O Gâmbia, o menor país do continente africano, tem um formato diferente de qualquer outra nação do mundo. Ele é longo e fino, com apenas 48 km de largura nos pontos mais largos. Parece que alguém tentou enfiar o dedo no Senegal, que circunda a Gâmbia por três lados. O único pedaço do país que não faz fronteira com o Senegal é a sua costa, muito pequena.


O Senegal há muito se interessa pelo Gâmbia – e já interveio na política do país antes – por razões óbvias; a maneira mais rápida de alcançar a parte sul do Senegal a partir do norte é atravessando o Gâmbia. Como arranjo geográfico, faz tão pouco sentido que a pergunta óbvia a ser feita é: Por que ele existe?


Há uma história apócrifa, enraizada na história colonial da África Ocidental, que explica a forma e a localização incomuns do Gâmbia. Nos séculos 18 e 19, os colonialistas franceses e britânicos disputavam poder e recursos nessa região, que era um centro econômico para o comércio de escravos, entre outras coisas. Os britânicos também estavam interessados em encontrar uma rota fácil para o interior, para Timbuktu, e suas lendárias riquezas.



O Gâmbia cercado pelo Senegal. COLEÇÃO DE MAPAS DA BIBLIOTECA DE PERRY-CASTAÑEDA/DOMÍNIO PÚBLICO

Existem apenas alguns rios na costa da África Ocidental que correm do deserto à costa, e os franceses controlavam a foz mais ao norte, o rio Senegal. O rio Gâmbia, mais ao sul, onde os britânicos tinham mais controle, corre paralelo e, conforme a história diz, um navio de guerra britânico simplesmente navegava rio acima, disparando balas de canhão de ambos os lados e reivindicando a terra que era alcançada pelos tiros dos canhões. O resultado: um país em forma de rio composto exclusivamente por faixas de terra em ambos os lados da água.


Por mais bizarra e improvável que essa história pareça, há nela alguma coisa de verdadeira: os britânicos reivindicaram direitos sobre o rio Gâmbia, e a forma estranha do país emergiu do conflito entre as duas potências colonizadoras. Pode até haver balas de canhões envolvidas nessa história.


A primeira potência europeia a reivindicar o rio Gâmbia foi Portugal. O nome moderno do país vem da palavra em português cambio, ou ‘comércio’. Os britânicos começaram a viajar para o rio no final no século XVI. Ao longo do século XVII, empresas comerciais britânicas, holandesas e francesas estavam tentando estabelecer presença no que é hoje a costa do Senegal e do Gâmbia, às vezes entrando em conflito uns com os outros sobre o controle das ilhas na foz dos rios. O rio Gâmbia e as ilhas em sua foz eram importantes para a Grã-Bretanha controlar estrategicamente, pois eram o principal posto avançado do império na área e uma conexão com seus assentamentos e postos comerciais ao longo da Costa do Ouro, na Serra Leoa e no Gana.



Florestas de manguezais ao longo do rio no Gâmbia. NATURE PICTURE BIBRARY/ALAMY STOCK PHOTO

A quantidade de terras que qualquer uma dessas potências coloniais controlava fisicamente, no entanto, era muito pequena, geralmente apenas uma ilha que lhes permitia viajar e comercializar mais para o interior e armazenar mercadorias que voltariam para a Europa. Mesmo que a Grã-Bretanha controlasse o rio Gâmbia, não controlava a maior parte das terras de ambos os lados, fora alguns pequenos assentamentos e, depois de 1826, uma faixa de uma milha (1,6 quilômetros) na margem norte, cedida pelo rei que controlava a área.


Mas no século 19, a França mudou sua estratégia e começou a tentar controlar mais áreas no interior, passando seus assentamentos mais ao norte para o sul, em direção ao rio Gâmbia. Em 1888, a fim de estabelecer uma reivindicação formal a seus postos avançados no Gâmbia, a Grã-Bretanha fez do Gâmbia um protetorado. Como os franceses reconheceram a pretensão britânica de controlar o rio e sua área, as duas superpotências coloniais abriram negociações sobre onde exatamente estaria a fronteira entre os dois. Uma negociação antecipada colocou a fronteira a 10 quilômetros ao norte e ao sul do rio e a leste, até Yarbutenda, o ponto navegável mais distante do rio.



Yarbutenda, o ponto navegável mais distante do rio Gâmbia, por volta de 1904. DOMÍNIO PÚBLICO

Isso deveria ser apenas um ponto de partida, com uma Comissão Anglo-Francesa de Fronteiras então despachada para mapear a fronteira real. Mas quando a comissão chegou em 1891, encontrou resistência dos governantes locais, cujas terras estavam sendo divididas, às vezes no meio de um reino existente. A Comissão de Fronteira teve apoio, no entanto, de navios britânicos que patrulhavam o rio.

A certa altura, homens e armas de três navios de guerra desembarcaram nas margens do rio “como uma dica do que os resistentes esperariam em caso de uma resistência contínua”, de acordo com A Colônia e Protetorado do Gâmbia: Um Manual Oficial, publicado pela primeira vez em 1906. No entanto, outro relato diz que os navios britânicos bombardearam a cidade de Kansala para intimidar os resistentes. É possível que, dessa maneira mais convencional, as balas de canhão tenham sido fundamentais para o estabelecimento da fronteira.

Não há evidências de que os britânicos tenham disparado balas de canhão das laterais de seus navios para estabelecer o Gâmbia no meio do território francês. Mas isso não é uma abreviação tão ruim para o que realmente aconteceu: duas potências coloniais que usaram a força para dividir parte de um mundo de acordo com uma lógica bizarra de seu poder colonial, apenas marginalmente preocupadas com as pessoas que precisariam viver lá.



Publicado na página Curiosidades Cartográficas do Facebook em: https://www.facebook.com/curiosidadescartograficas/posts/1201896770003855







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